Olha, eu não entendo nada. Eu não entendo duplas negativas. ‘Eu não entendo nada.’ Se eu não entendo nada, então eu entendo tudo, né? Eu não entendo como o príncipe Willian é príncipe, se o pai dele também é príncipe! Eu não entendo anos bissextos, nem horário de verão. Eu não entendo porque a gente tem que salvar os pandas, e as baleias. Você entende? Não consigo ler ‘Os Lusíadas’, nem gostar de Stephen King. Eu não ‘vejo graça nas gracinhas da TV’. Não escrevo muito bem também. Não sou uma boa filha. Esse é um dos meus lados. Dos lados, muitos, que todos temos. Eu perdi muita coisa uns tempos atrás, e agora eu quero tudo, e todos. Olha, eu não me entendo em nada. Eu, eu, eu, eu uso demais a palavra eu. Sempre foi assim, vocês sabem. Vocês sabiam desde o dia em que eu nasci numa família errada. Eu não gosto de pornografia, de fé, de balada. Às vezes eu me importo, e as vezes não, sabe? Primeiramente peço desculpas, por todas as coisas e pessoas onde eu errei. Eu erro nas pessoas, o tempo inteiro, todo dia. Às vezes tem culpa junto, às vezes não. Não dá pra controlar, entende? Acho que não entendem. Se nem eu entendo, se eu ando pela casa lutando os espelhos. Se eu percorro as vitrines evitando os reflexos. Eu só queria ser uma pessoa só. Eu não quero falar bonito, nem saber demais, nem ser amada demais, nem feliz demais. Minha satisfação é simples, minhas ambições pequenas, eu não reclamo de nada. Eu só queria entender. Queria entender as pessoas e porque elas vivem tão difícil assim.